Este artigo foi originalmente publicado na Common Edge.
Mitologias de origem, mitos fundadores e lendas de criação nos proporcionam uma maneira de vislumbrar e imaginar o passado distante de maneira metafórica, poética e cativante. Os mitos de origem mais antigos nos ajudam a compreender como acreditava-se terem surgido um povo ou um lugar (como o universo). Os antropólogos descrevem esses mitos como mitos de criação ou mitos "cosmogônicos". Eles podem explicar como o mundo veio a existir. Por exemplo, povos nativos da América do Norte, como os Cherokee, Ojibwe e Astecas, compartilham um mito de origem no qual a terra foi inicialmente criada sobre um grande oceano. Um dos mitos de origem ocidentais mais comuns é a criação de Adão e Eva. No entanto, histórias fundadoras existem para todas as sociedades, costumes históricos e lugares. Lembre do mito dos irmãos Rômulo e Remo, amamentados por uma loba enquanto bebês para mais tarde fundar a cidade de Roma.
Existem até mitos de origem que explicam a criação da arquitetura. Um dos mais duradouros é o da "cabana primitiva". Este mito fundador foi articulado por Marc-Antoine Laugier, um padre jesuíta e teórico da arquitetura do século XVIII. Laugier viveu durante o auge dos excessos barrocos da arquitetura ocidental. Ele ficou preocupado que a ostentação da arquitetura barroca de sua época estava despojando a arquitetura de sua essência. Ele apresentou suas ideias sobre como restaurar a arquitetura a seus primeiros princípios em seu Essai sur l'architecture de 1753, e elaborou essas ideias a fundo em uma segunda edição do ensaio, publicada dois anos depois. Nesta obra teórica, Laugier afirma que os verdadeiros princípios fundadores da arquitetura são demonstrados no que ficou conhecido como "a cabana primitiva", criada pelo primeiro arquiteto do mundo, como foi chamado.
Em seu livro On Adam’s House in Paradise, de 1981, o historiador Joseph Rykwert relata de maneira encantadora as reflexões de Laugier sobre o que esse homem "primitivo" realizou. Na narrativa de Laugier, ele é um homem simples na natureza, em busca de um lugar para se estabelecer. Ao lado de um riacho tranquilo, ele avista um campo verdejante, onde se deita. Logo, nosso homem primitivo sente calor. Ele foge para o alívio sombrio da floresta. Depois, começa a chover. Ele foge para uma caverna próxima. Mas, é claro, está escuro e úmido. É neste ponto da história de Laugier que nosso homem primitivo, frustrado em sua busca por um abrigo espaçoso, se torna o primeiro arquiteto. Na floresta, ele encontra quatro galhos retos e os ergue como colunas no chão da floresta para formar um cubo, unindo suas colunas no topo com vigas perimetrais. Então, ele ergue um frontão acima das vigas, coloca caibros e folhas de árvore cobrem seu telhado. Ele está protegido tanto do sol quanto da chuva. A ilustração da capa da segunda edição do livro de Laugier é adornada com um desenho de Charles Dominique Eisen de "Arquitetura", personificada como a mãe de todas as artes, sugerindo a cabana simples e primitiva erguida pelo nosso primeiro arquiteto. Sua essência consiste em uma intervenção através da manipulação da natureza que modera a vida na natureza selvagem — uma força civilizadora.
O livro de Laugier continua delineando o que ele descreve como os seis princípios gerais da arquitetura essencial: coluna, entablamento, frontão, pavimento, janelas e portas. No entanto, é sua descrição da cabana primitiva e como ela veio a existir que destila os elementos essenciais da arquitetura. Ele diz: "A pequena cabana rústica que acabei de descrever é o modelo sobre o qual todas as grandezas da arquitetura são elaboradas. É aproximando-se de sua simplicidade de execução que os defeitos fundamentais são evitados e a verdadeira perfeição é alcançada." Sua mensagem: mantenha-se fiel aos princípios verdadeiros e fundamentais da arquitetura, e você não errará.
A cabana primitiva de Laugier tem sido objeto de comentários e especulações por arquitetos, teóricos e historiadores desde que seu ensaio foi publicado no século XVIII. O livro de Rykwert relata como essa pequena construção impregnou a história da arquitetura ocidental e o pensamento arquitetônico. E, como descobri recentemente, a cabana primitiva continua a encantar, provocar e educar alguns arquitetos em suas próprias explorações de design. Gostaria de apresentar duas delas.
Gabriel Guy é um arquiteto de Port Elgin, Ontário. Há alguns anos, ao concluir seus estudos de arquitetura na Universidade de Waterloo, ele decidiu construir uma cabana na natureza para sua pesquisa de mestrado. Por quê? Guy começou a duvidar de sua própria formação em arquitetura. No estúdio, as pranchetas de desenho haviam desaparecido e os estudantes estavam curvados sobre telas, clicando em mouses. A computação e as renderizações pareciam ser o objetivo. "O envolvimento físico com a arquitetura havia desaparecido", lembra Guy. "Parecia que tudo tinha perdido sua essência." Ele decidiu que seu projeto deveria ser uma reconexão visceral com a arquitetura. Talvez a cabana pudesse ensinar algo fundamental sobre arquitetura. Ele registrou o processo em sua dissertação: "Minhas intenções, embora ingênuas, eram me envolver com a arquitetura em seus próprios termos, através de sua própria linguagem, retornar aos princípios [...] e adquirir uma forma de conhecimento arquitetônico incorporado inseparável de sua materialização." Como local, escolheu um terreno a noroeste de Toronto, na Ilha Manitoulin, parte da fazenda de seu avô. Ele não tinha muitas habilidades de construção, poucas ferramentas e nenhum projeto. Ele viveu no local, projetando a cabana conforme a construía, lutando contra os elementos e a própria arquitetura. Seu desejo era a experiência, "essa professora mais brutal", como ele a chama, em desafio com a construção. Sua dissertação se tornou um registro dessa humilhação — ele lutava para aprender habilidades básicas de carpintaria: "Eu não sabia o que estava fazendo".
Todos os materiais para a cabana foram colhidos no local, recuperados de dois celeiros em ruínas e obtidos de duas serrarias locais. Edificações agrícolas tradicionais se tornaram pontos de partida para aprender a construir no clima rigoroso. Eventualmente, Guy chegou a um ponto em que, por meio do projeto e da construção, entrou em diálogo com a arquitetura. A cabana se tornou uma manifestação dele mesmo, "cheia de ignorância", da qual ele aprendeu algumas lições.
Guy chamou seu projeto de "Cabana Onírica" — um lugar de refúgio, mas também para sonhar. Em seu livro A Poética do Espaço, o escritor francês Gaston Bachelard aborda essa qualidade essencial de qualquer abrigo: "a casa protege o sonhador, a casa permite sonhar em paz". Enquanto Guy se envolvia com sua Cabana Onírica, ele também encontrava tempo para refletir sobre obras de Bachelard, Jung, Gibran e outros, além de trocar ideias com fazendeiros e carpinteiros locais. Ele projetou e construiu algo que poderia preencher o que considerava ausente na maioria das arquiteturas: um lugar com uma conexão cósmica, uma sensação de sacralidade. Enquanto sua Cabana Onírica respondia ao clima local e revelava a mão humana em sua construção, também se conectava ao céu acima. No cume do telhado, Guy incluiu uma "porta solar" para permitir a entrada de raios de sol durante o dia e o alinhamento com a Estrela do Norte à noite. Parece ser o lugar perfeito para sonhar.
A arquiteta de Seattle, Susan Jones, concentrou a prática de seu atelierjones na arquitetura religiosa e no cuidado com a terra, e ao longo da última década focou no projeto e construção de edifícios em madeira maciça. Ela é autora do livro Mass Timber (Edições ORO), um livro baseado em pesquisas de materiais que ela conduziu em sua própria prática.
Há alguns anos, Jones herdou uma cabana. Na verdade, era uma torre de água em ruínas que pertencera ao seu avô, que possuía um terreno afastado e densamente arborizado no Monte Constitution, no estado de Washington, nos EUA. A torre foi construída na década de 1930 para sustentar um tanque com 2,4 metros de diâmetro e cerca de 1,5 metros de altura. Quando Jones encontrou a torre, o tanque ainda estava intacto, mas a estrutura de cedro estava deteriorada. "Tinha proporções bonitas", diz Jones, que decidiu relocar a torre para um lugar mais acessível e transformá-la em um refúgio na floresta — sua própria cabana primitiva, que ela chama de Constitution Shed.
A lateral de ripas foi estabilizada substituindo as tiras de sarrafos e mantendo as tábuas verticais. Um carpinteiro local instalou novos sarrafos cortando troncos envelhecidos deixados de outros projetos e árvores caídas do local devido ao vento. As novas peças foram deixadas sem acabamento para envelhecer de maneira semelhante à lateral de madeira original. Dentro do espaço restaurado de aproximadamente 6 metros quadrados, Jones projetou um espaço feito de compensado de madeira com uma janela de vidro triplo, uma estante, uma pequena mesa e uma cama beliche. O piso, as paredes e o teto são bastante isolados (não há aquecimento ou eletricidade, portanto, um bom desempenho passivo é essencial). A cabana inteira foi fabricada na oficina do carpinteiro, transportada para o local e cuidadosamente colocada sobre as estacas de pinos. Um deque de madeira oferece local de estar elevado do solo da floresta.
Perguntei a Jones sobre a linhagem de sua cabana em relação à cabana primitiva de Laugier. "A gravura mostra o uso de troncos redondos como colunas", ela observa, com pouca ou nenhuma fabricação industrial. Em comparação, sua cabana é um objeto fabricado, apesar de ter sido por ela encontrado. "Há uma tensão entre o ambiente natural da floresta e a civilização. Isso nos faz questionar como estamos gerenciando o uso desse recurso e como manter esse recurso." A cabana de Jones às vezes serve como um acampamento para passeios de fim de semana, onde os amigos se reúnem para ajudar a podar parte do mato que cresceu demais, "para criar uma floresta melhor que absorva mais carbono". Na visão de Jones, a pequena cabana em ruínas foi reciclada e tem toda uma nova vida de, talvez, mais 90 anos.
Ambas essas cabanas primitivas — uma produto de uma luta enérgica com o processo de materializar a arquitetura, a outra uma expressão de preservação esclarecida, cuidado e gestão de recursos —parecem refletir o papel elementar da arquitetura em humanizar, harmonizar e sintetizar a dimensão cósmica dentro das limitações de uma cabana primitiva na floresta.